segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O trovador solitário


Não! Não estou me referindo à Renato Russo, mas sim a um outro trovador: Nick Drake. 

Poucas vezes na música se viu a capacidade de combinar melancolia em acordes tão dissonantes, beleza harmônica com temas bucólicos e até mesmo cotidianos. 
Compositor, poeta e cantor... morreu jovem e sem o devido reconhecimento! Foi mais um, dentre tantos, que só tiveram o devido valor reconhecido após a morte.
Nascido em 19 se junho de 1948 no interior da Inglaterra. Fez tudo como manda a regra: era bastante educado, destacando-se na escola. Ganhou uma bolsa de estudos em Literatura Inglesa na Universidade de Cambridge e nesta época começou a usar maconha, viajou com amigos para o Marrocos e teve sua primeira experiência com LSD. Seus tutores na universidade o descreviam como um aluno brilhante, porém sem vontade de desenvolver seu potencial. O que contrapõe seu estudo nas seis cordas do instrumento acústico, onde se tem relatos de uma aplicação com disciplina exacerbada. 
A morte do cantor é uma incógnita, alguns dizem que Drake teria se suicidado e o inquérito oficial diz que ele morreu por uma intoxicação aguda auto-administrada enquanto sofria de uma depressão , concluindo como suicídio. 


DISCOGRAFIA:

FIVE LEAVES LEFT: o álbum rural 
As sessões de gravação de Five Leaves Left começaram em Junho de 1968. O trabalho de composição estava há muito concluído e só faltavam mesmo os arranjos. Por insistência de Nick, essa tarefa foi confiada a Robert Kirby, um colega de Cambrige, com quem Drake viria a trabalhar também no disco seguinte. O título foi retirado do subtil aviso que acompanha cada pacote de mortalhas Rizla, avisando que este se aproxima do fim. O álbum saiu em 1969 e vendeu cinco mil cópias, número considerado interessante para um disco de estreia que não havia merecido qualquer esforço de divulgação.
Five Leaves Left é um impressionante primeiro álbum. Não sendo ainda uma colecção equilibrada de canções, inclui uma boa mão cheia das melhores composições que o seu génio legou à posteridade – “Time Has Told Me”, “River Man”, “Way To Blue”, “Day Is Done” ou a profética “Fruit Tree”. Não que se deva menosprezar o apuradíssimo trabalho de guitarra sobre o qual se constrói “Three Hours”, a ingenuidade em jeito de canção de embalar de “Cello Song” ou a inteligência precoce e a comovente lucidez que se encontram em “Saturday Sun”, tantas vezes injustamente esquecida, quando se tenta esboçar o alimento para um (im)possível Best Of. Se existe alguma pertinência nesta distinção, ela tem que ver precisamente com o alinhamento, a temática, enfim, com a concepção do disco, não estando nunca em causa a validade das canções enquanto pequenos e inestimáveis tesouros artísticos.
Apesar de estarem presentes em todos os trabalhos de Nick Drake, o tempo, os ritmos e os ciclos naturais (as estações do ano, os dias da semana, a corrente de um rio) são os protagonistas de uma obra que poderia muito bem servir de fundo sonoro a uma leitura das Songs of Innocence, de William Blake, a quem Drake deverá certamente muito na forma como utiliza os símbolos na construção poética. Assim como deverá também a Robert Kirby, cujos arranjos são em boa parte responsáveis pela ambiência inimitável e pelo esplendor lírico do disco.

BRYTER LATER: o álbum urbano
Após o lançamento do primeiro álbum, Nick Drake abandonou Cambrige e trocou Tanworth in Arden por um quarto estúdio em Haverstock Hill, Londres, na esperança de se tornar músico a tempo inteiro. Foi nesse pequeno espaço, mobilado apenas com uma cama, um gira-discos e uns quantos livros e posters que compôs as canções para o seu segundo álbum, Bryter Layter. Como da primeira vez, a Island não poupou esforços para garantir ao jovem compositor todos os meios necessários para a elaboração do disco, que seria como que uma prova de amadurecimento pessoal e artístico. Nomes como o de John Cale serviram para dar ainda mais credibilidade ao projecto, que deveria finalmente permitir ao tímido artista alcançar o tão desejado reconhecimento público.
Quando o disco foi lançado, em Novembro de 1970, a atmosfera era de confiança. Potenciais singles de sucesso não faltavam: “Nothern Sky”, “One Of Those Things First”, “Hazey Jane II”, “Poor Boy” ou “At The Chime Of a City Clock” eram fortes candidates à conquista de tempo de antena nas estações de rádio. Mas, mais uma vez, as esperanças saíram logradas e, num ano em que a “concorrência” foi particularmente forte, Bryter Layter acabou por ser preterido face a outros discos que fizeram história (II, dos Led Zeppelin; Imagine, de John Lenon; Sticky Fingers, dos Rolling Stones ou Bridge Over Troubled Water, de Simon & Garfunkle).
Bryter Layter é, porventura, o seu trabalho mais acabado, o mais consistente, o mais perfeito no seu conjunto. Na composição, é notória a convergência de todas as referências num todo mais equilibrado e harmonioso, que se nota ter sido explorado e polido com minúcia, paciência e virtuosismo. Na escrita, a paleta cromática expande-se para lá do azul e do verde, e descobre o cinzento. O pulsar incessante e frenético da metrópole apela ao desejo de evasão e leva Nick Drake a procurar refúgio no mesmo silêncio contemplativo e inquieto a que já se tinha entregue na sua pacata Transworth-In-Arden. Bryter Layter é melancolia pintada com as cores e as luzes da cidade, reconstruída pelo artista sobre a tela cinzenta da atmosfera pesada, do burburinho, das torres e dos relógios.
Por tudo isto, Bryter Layter é menos místico do que o seu antecessor. Mas não menos assombrado. Na cidade, o artista já não pode fugir à condição humana. Continua a ser um outsider, um estrangeiro que se sente nas entranhas, o contraste absurdo entre a paixão pela existência individual e o determinismo do imparável fluxo das pessoas e do tempo. Mas este é um tempo diferente, não na essência, mas no ritmo. Talvez por isso, Bryter Layter seja considerado por muitos como o disco mais “mexido” de Drake. Um clássico absoluto e uma delícia para os sentidos logo a primeira escuta.

PINK MOON: o álbum solitário
Imediatamente a seguir ao lançamento de Bryter Layter, Nick Drake deu a sua única e brevíssima entrevista. Nessa altura, manifestou vontade de fazer um disco só com guitarra e voz. Em 1972, durante duas noites, fechou-se no estúdio com Joe Boyd e gravou as 11 canções que constituem Pink Moon. Conta-se que terá deixado a master tape nos escritórios da Island sem avisar ninguém, e que terão passado dias até alguém dar conta disso.
Agredido no seu sentido de justiça e nas suas esperanças, Nick Drake começara a encerrar-se cada vez mais sobre si próprio, atormentado pela ideia de ter que trabalhar em qualquer outra coisa para sobreviver. O seu estado começou a deteriorar-se visivelmente e Pink Moon, o derradeiro trabalho de estúdio, é o documento dessa decadência. Se no disco anterior Drake mostrara ser capaz de exorcizar os seus demónios com uma certa dose de ironia e distanciamento (“Poor Boy” é disso o melhor exemplo), em algumas canções de Pink Moon o artista cedeu à auto-indulgência e a uma atitude niilista, como se pode verificar em “Parasite”.
O isolamento a que Drake se votou conferiu ao álbum uma atmosfera crua e intimista. Estas características tornaram-no difícil para o ouvido menos atento. A primeira reacção será de estranheza em relação à nudez da forma e à ausência de arranjos. Mas no fundo está tudo lá: o ritmo, a melodia, o tom sussurrado, a poesia. Contudo, é fácil ver que este disco também não iria fazer do seu autor uma estrela. E, no entanto,Pink Moon é um retrato sem paralelo da essência e da arte do seu criador. Canções como “Pink Moon”, “Place To Be”, “Things Behind The Sun”, “Parasite” ou “From The Morning” são testemunhos da agonia e luta desesperada que marcaram os últimos anos de Nick Drake. Despidas de todos os ornamentos, estas composições constituem simultaneamente as suas Songs of Experience e um derradeiro retorno às origens a que apetece regressar vezes sem conta.

TIME OF NO REPLY: o álbum póstumo
As “sobras”, versões alternativas e gravações domésticas reunidas no póstumo Time Of No Reply revelam aspectos essenciais da arte de Drake e fazem do disco um objecto deveras interessante. Frank Kornelussem escreve no livreto do CD que “as histórias sobre a vida de Nick Drake são tantas e tão diversas como as pessoas que as contam”. Nos dias de hoje, em que assistimos impávidos ao definhar das utopias, o espólio de Nick Drake apela ao que de mais primitivo e absoluto existe na consciência universal – o desejo de transcender a própria existência. Fazendo frente ao absurdo, na completa ausência de esperança e munido apenas de uma consciência pessoal do cosmos e da história, o artista tenta combater a tirania da indiferença do tempo e a supremacia do esquecimento sobre a memória dos homens.
Há um desespero pacífico que ensombra a obra de Drake e que transcende as barreiras da linguagem, da individualidade, do senso comum e do próprio tempo. Para alguém que viveu uma vida tão curta, o universo de Nick Drake é incrivelmente vasto, por vezes num sentido quase diabólico de intensidade e iluminação. Mas as sombras que povoam esse universo não são suficientemente densas ou imateriais para serem tomadas nas trevas. Ao contrário de Fausto, Nick Drake é demasiado cristalino para ser diabólico. Talvez para nós, filhos dos anos 80 e 90, o seu conhecimento do mundo e das coisas pareça demasiado interior, demasiado mágico. No entanto, essa sabedoria é impírica e concretiza-se na sua arte.
Nick Drake acreditava na transcendência, num plano mais elevado do espírito. Provavelmente, a reconstituição mais abrangente dessa busca e desse apuramento encontra-se em Time Of No Reply. Esta compilação de 14 temas inclui cinco canções inéditas e duas versões alternativas (“Man In A Shed” e “The Thoughts Of Mary Jane”), provenientes das sessões de gravação de Five Leaves Left. A estas juntam-se as quatro canções registadas durante a derradeira sessão de estúdio que Nick Drake realizou em 1974.
Extremamente desequilibrada enquanto disco, esta colecção de composições dispersas trata de conferir uma materialidade inédita ao percurso artístico e pessoal de Drake, principalmente por incluir duas gravações domésticas. Gravações que, com uma qualidade de som duvidosa, mostram uma faceta quase desconhecida do autor: a de trabalhador incansável, perfeccionista, compulsivo, muito para lá das atribulações da vida e da mente. O interesse que despertam é tal que se aguarda para breve a edição de uma caixa que incluirá grande parte desse espólio. Será certamente bem-vinda, como qualquer outro esforço válido para preservar uma obra que merece um lugar cativo nas nossas memórias e, hoje mais do que nunca, nas nossas vidas.

Fonte web




Um comentário:

  1. Acho que você deveria começar a escrever resenhas de discos. Você leva jeito, hein? :D

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