sexta-feira, 20 de julho de 2007

Absorventes absorvem a qualidade da intimidade


John Gray, um ex-monge casado, e fino observador dos relacionamentos humanos, transformou suas anotações num best-seller do entretenimento popular chamado Homens são de Marte; Mulheres são de Vênus. A crítica sugeria que o livro era um requisito indispensável para quem quisesse atingir um grau mais profundo de intimidade e uma compreensão mais plena de seu parceiro. Concordar ou não é um caso a parte, o fato é que John Gray cometeu um erro fatal ao esquecer de incluir em suas anotações o complexo mundo feminino dos absorventes.

E não venho aqui afirmar que Fogo nas Entranhas seja um guia prático para a compreensão de ambos os sexos, mas Vênus e Marte sempre se atraíram e o humor mesclado com o coito sempre foi a atração inspiradora de Pedro Almodóvar. Um homem espanhol que nunca negou a raça e observa finamente os relacionamentos humanos, bem como não esquece a presença de absorventes, mês a mês, entre as pernas das mulheres.

Almodóvar surpreendendo, mais uma vez. Ou melhor, corroborando seu estilo, confirmando a busca pela essência, pela loucura humana. Ao fazer isso, ele não racionaliza o homem, mas tira o véu do homem pós-moderno fragmentado.
Um chinês dono de uma fábrica de absorventes íntimos que é abandonado por cinco mulheres, moldadas pelo autor para instigar qualquer tipo de fantasia sexual: uma chinesa, uma frígida, uma ex-espiã disfarçada, uma figurante de faroestes europeus e uma assistente de laboratório químico, cada qual a seu tempo. "Diana, a orgulhosa; Mara, a cínica; Katy, a abelhuda; Lupe, a hippie; e Raimunda, a freira". Como sempre, em Almodóvar, temos personagens completas - tanto as principais quanto as secundárias. A princípio, as atitudes de cada uma são contextualizadas em uma colagem, aparentemente sem lógica, mas que funciona como justificativa inicial, até o momento em que todos se encontram. Composto de vinte e cinco breves capítulos e há mais personagens bizarros para serem analisados. A anciã de setenta anos ainda virgem, mestra de enganar-se a si própria e Roque, um marido quase exemplo de toda boa casa onde reina o desejo carnal. Como em um barato folhetim pornográfico, há mocinha na história. Aqui ela não podia deixar de ser uma ex-freira - de uma sensatez insana, imprópria de uma heroína. Mas a marca inconfundível de Almodóvar está ali: além do humor deslavado, a incrível habilidade de reunir fragmentos distantes da vida e atá-los em um só nó.
Então, temos os absurdos almodovarianos. Temos a possibilidade de nos relacionarmos com o, considerado, bizarro e amoral. Em "Fogo nas entranhas" não há limites entre as dicotomias afetividade/racionalidade, moral/imoral, feminilidade/masculinidade. O que há é o tabu sendo humanizado e aceito.
O interessante ao ler Almodóvar, ao invés de vê-lo, é que há uma visualização do que está sendo dito. Digamos que seja uma "transcendência sensorial". Parece mesmo que estamos vendo uma das "chicas almodovarianas" como tresloucadas atrás do sexo masculino, a velhinha virgem atacando homem, Madrid em chamas, o desespero de todos, enfim, as situações tão verossímeis sempre presentes em seus filmes.
Muito bem definido no prefácio (Calor na Bacurinha), por Regina Casé, de livrinho safado, "Fogo nas entranhas" você lê de uma só vez - e adora.
Ps.: não foi Regina Casé quem escreveu o texto. ela apenas escreveu o prefácio (calor na bacurinha), que não tem nada haver com o texto descrito acima.


Um comentário:

  1. E eu crente que o comentário era seu, hehe.
    A capa do livro é o mais interessante, eu heim...

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