quarta-feira, 11 de julho de 2007

"se gritar pega ladrão não fica um meu irmão"




O Brasil tem pilantras de gravata e pilantras pilantras, pé rapados. São esses os que geralmente acabam presos. O doutor Antônio, em que pese a originalidade de sua atuação, era um meio termo. Instalava-se em hotéis, vestia-se bem, comportava-se galantemente, e à noite entrava no quarto dos seus vizinhos e os aliviava de excessos materiais. Claro, depois de temporadas vivendo entre os ricos e bem-sucedidos, acabou preso junto aos outros tantos ladrões pobres. Toda a sua história está contada em neste livro Memórias de um Rato de Hotel.
O Dr. Antônio chamava-se, na verdade, Artur Antunes Maciel. Freqüentou bons colégios em Porto Alegre, mas notabilizou-se mesmo quando começou a agir em hotéis, furtando hóspedes, a partir de 1889 (nasceu com a República). Instalava-se em vários hotéis ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro a princípio, com nomes diferentes. Sem usar revólver ou força física, sorrateiramente retirava-se para dentro do quarto e agia. ‘‘Com a minha presença, dos quartos sem luz desaparecia o dinheiro’’, registra o Dr. Antônio. Bem mais adiante, deixa entender que seu papel é o de alguém que corrige os excessos do acúmulo: ‘‘Eu que nunca roubei senão os que têm demais!’’ Em outros termos: ‘‘Sou apenas um elegante aliviador de quem tem muito.’’
Em várias passagens, o narrador fala de duas pessoas coabitando o mesmo corpo. ‘‘É um outro ser que toma conta de mim. O ‘Dr. Antônio’ entrava no corpo de Artur Maciel.’’ Ele não fazia planos. Simplesmente entrava no hotel e começava a observar o comportamento dos hóspedes até achar a hora certa de, vamos dizer, trabalhar.
Embora para a crítica ele não seja considerado um grande livro (na minha opnião ele é), é bastante curioso e instrutivo. Várias vezes preso, Dr. Antônio orgulhava-se de nunca ter sido flagrado. Ou seja, mesmo sem ser um tratado crítico, o livro mostra que a incompetência policial é bem mais antiga e enraizada na cultura nacional do que se imagina. Ele fala o quanto tinha que gastar para manter vários (e põe vários nessa conta) agentes policiais sossegados. E depois das passagens por detenções, Dr. Antônio, nem que quisesse, poderia deixar o crime. Logo cruzava com um agente na rua, e ai dele se não tivesse algum no bolso.
Entre agir e ficar preso, Dr. Antônio passou mais tempo preso. Morreu na prisão, embora pudesse ser considerado, para usar suas próprias palavras, ‘‘aquele que fez uma profissão sutil e delicada desse delito, aquele que foi como um expoente de cultura no crime...’’

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